Além dos Livros

“Escrevo como vejo os acontecimentos, minha inspiração vem das pessoas reais com as quais me relaciono, ou apenas cruzo nas ruas.”

No início de 2020, Flávio Ferraz lançava seu primeiro livro, Mistério na Esplanada, através da editora Chiado Books. Ambientada principalmente em Brasília, a história segue misteriosos casos de assassinatos de gente do alto escalão do governo, enquanto mostra um panorama arquitetônico, social, histórico e cultural da construção da capital federal.

Antes mesmo do final do ano, o autor publicou uma nova obra: O Dia em que Ela Disse Basta, dessa vez dando protagonismo a Helena, que, a partir de uma crise existencial, resolve abandonar seu modo de vida familiar tradicional e buscar uma nova maneira de pensar e agir, enquanto seus caminhos cruzam com Ignacio, que também passa por momentos de questionamentos e descobertas.

Flávio gentilmente nos concedeu esta entrevista para falar sobre suas obras, suas experiências com a leitura e a publicação independente, e também suas inspirações literárias.

Flávio Ferraz
Créditos: Flávio Ferraz

Como e quando surgiu em você a vontade de começar a escrever um livro? Você primeiro pensou na possiblidade de escrever um livro para, então, desenvolver uma história, ou a história veio à sua mente e depois pensou em transformá-la em livro?

A vontade de escrever um livro surgiu da leitura de outros livros, sobretudo Gabriel García Márquez; seus livros fantásticos, com personagens surreais, despertaram em mim a ideia de poder criar o que bem entendesse, com locais, personagens e situação únicas, diferentes.

A estória [do primeiro livro] surgiu da minha experiência de vida em Brasília, uma cidade de migrantes, de todos os cantos do Brasil, com uma trajetória única, de um centro urbano construído em pouco mais de três anos, no meio do nada. Minha experiência como estudante de arquitetura por tanto tempo, contando graduação, mestrado e doutorado, foi de quatorze anos na Universidade de Brasília, instituição onde se respira Brasília 24 horas por dia.

Outro influenciador foram as lendas urbanas que ouvi algumas vezes. Elas diziam que Juscelino havia mandado construir uma rede de túneis para poder ir a qualquer Ministério sem precisar sair pelas ruas. Mesmo sendo apenas uma lenda – não encontrei em lugar algum a confirmação da rede de túneis –, a estória me inspirou a mesclar lenda urbana com ficção. 

Você lançou no início do ano seu primeiro livro – Mistério na Esplanada –, que conta, através de gerações, a construção de Brasília, e a mescla com a atualidade, em um emaranhado de segredos políticos, tramas e jogos de poder. Como foi essa experiência? Conte-nos um pouco acerca de como esse livro surgiu.

Na resposta anterior eu falo bastante sobre isso. Tenho a acrescentar que minha esposa é de uma família de cearenses que vieram para cá nos anos 1960. Dos meus sogros e vizinhos eu ouvi muitas histórias que me inspiraram. 

Qual é a tarefa mais fácil no momento de escrever? Transformar ideias em palavras? Atentar-se a regras gramaticais? Procurar dar coesão à história e deixá-la instigante? Ou alguma outra?

Transformar ideias em palavras. Escrever tanto, com num mestrado e doutorado, quase em sequência, o capacitam a escrever com mais facilidade e fluidez. Para ser sincero, as regras gramaticais não me preocuparam tanto; claro que tentei escrever o mais correto possível, mas depois de pronto é sempre recomendável contratar um profissional para passar um pente fino no texto.

E a mais difícil?

Deixar a história instigante e com coesão, sem dúvida. Criar a ideia principal foi fácil, o complicado é construir uma história por um longo período, cerca de oito meses, sem perder a coesão ou ser repetitivo. 

Dentre as dificuldades para autores independentes, qual (quais) mais teve (tiveram) peso na sua carreira?

Ser lido, porque o livro se torna conhecido de boca em boca, então não adianta seus amigos comprarem, por consideração, e não lerem. Quem lê e gosta divulga, quem simplesmente compra e deixa num canto da casa, relega aquele livro a ninguém mais ler, e, portanto, reduz o número de pessoas que tomam conhecimento da obra. Os custos são outro empecilho: num primeiro livro, o autor sempre tem que arcar com todos os custos, a menos, claro, que ele ou ela já seja uma celebridade. 

E dentre as facilidades para autores iniciantes atualmente, em relação a como esse processo era há algumas décadas, qual (quais) te deixou (deixaram) mais animado?

Não posso falar sobre o mercado há algumas décadas porque simplesmente não sei como era, mas, se tivesse que dar um chute, diria que a informática facilitou o processo. Por exemplo, contratei uma leitura crítica de uma professora de São Paulo, apenas pela internet; a correção gramatical e ortográfica foi feita também por uma pessoa de São Paulo, no caso o Eduardo Tognon, criador desse blog que muito me ajudou e continua ajudando. A editora é de Portugal. Então, a informática ajudou bastante no processo. 

Pôster Mistério na Esplanada, de Flávio Ferraz
Créditos: Flávio Ferraz

Como você vê o mercado editorial para autores iniciantes no Brasil atualmente? Você acha que está mais fácil se destacar como autor independente?

Não tenho experiência alguma para responder essa pergunta. Espero que esteja mais fácil para iniciantes como eu. Conto com pessoas como você para me ajudar. Talvez, no próximo ano, eu possa te responder com mais propriedade e, tomara, com boas impressões.

Quem são suas inspirações literárias? Elas acabam influenciando sua escrita? Se sim, em que sentido: estilo de escrita, psicológico, desenvolvimento de personagens etc.?

Gabriel García Márquez como exemplo. Sem sequer ousar escrever como ele, apenas o admiro. Do Brasil, gosto muito do Érico Veríssimo, simplesmente espetacular; contudo, tal qual Gabriel, me serve como inspiração, mas jamais escreverei como ele. Da atualidade, gosto muito do Ken Follett, autor inglês simplesmente genial.

Sem querer ser pretencioso, escrevo como vejo os acontecimentos, minha inspiração vem das pessoas reais com as quais me relaciono, ou apenas cruzo nas ruas. O mundo que me cerca é a minha fonte de ideias, simples assim.

Como leitor, que obras de Márquez você indicaria?

Márquez é simplesmente fantástico. Quem puder e gostar, deveria ler tudo, mas, se tiver que destacar cinco, eu indicaria Cem Anos de Solidão, simplesmente imperdível, para o qual faltam superlativos; O Amor nos Tempos do Cólera também é espetacular; Notícia de um Sequestro, pela arte de escrever um livro inteiro e que prende o leitor, com um fato que outro jornalista resumiria em uma página de jornal; Crônica de uma Morte Anunciada, para entender por que o título se tornou um provérbio; e, por fim, sua autobiografia Viver para Contar, com inúmeras lições para aqueles que pretendem ser escritores, além da narração de boa parte de sua vida, não toda. 

Seu segundo livro – O Dia em que Ela Disse Basta – nos apresenta Helena, esposa, mãe, trabalhadora, dona de casa e que começa a passar por uma crise existencial no mesmo momento em que Ignacio passa pela sua. Ele, por sua vez, é um rico e respeitado médico de Brasília, e seus embates interiores são um pouco diferentes dos de Helena, ainda que haja similaridades. Como surgiu a ideia para esse enredo? Ele também foi baseado em um caráter de “observação social” dos comportamentos, paradigmas e embates existenciais atuais? Conte-nos um pouco sobre a obra.

O enredo surgiu da separação de uma grande amiga, que prefiro preservar o nome. O caso me remeteu a como uma mulher inteligente, com uma profissão estável e curso superior pode ser machista. Daí o resto foi imaginação. Voltando à resposta anterior, Gabriel García Márquez ensina em seu livro que é um erro criar personagens do nada. Segundo Gabriel, os bons personagens devem ser baseados em pessoas reais, de carne, osso e sentimentos.

Isso posto, eu comecei o livro apenas com a ideia inicial: apresentar uma mulher moderna e ao mesmo tempo arcaica, presa a costumes e vivendo a vida que os outros lhe impuseram, sendo o tempo todo censurada por si mesma. O restante fluiu, como se os personagens fossem tomando vida e a rédea de suas próprias histórias, até o final, que surpreendeu até mesmo a mim. 

Você pretende escrever mais livros em breve?

Na verdade, já escrevi um terceiro, finalizado. Pretendo escrever outros. Sinto uma necessidade quase física de criar estórias. Tenho a ideia iniciada de outros dois (já inclusive escrevi os capítulos iniciais), mas me falta tempo; sou servidor público e só posso escrever nas horas vagas, reduzidas para alguém que tem um filho de cinco anos.

Sinto que escrever é como aquele ditado “trair e coçar é só começar”. Gostei tanto da experiência de escrever que acho que não vou parar nunca. Mesmo que não os publique, continuarei a escrevê-los. Tal qual dizia Villa-Lobos, “considero minhas obras como cartas que escrevi à posteridade sem esperar respostas”.

Mineiro de Governador Valadares, Minas Gerais, viveu em várias cidades durante sua infância, até que, aos 11 anos, se mudou para Belo Horizonte, em razão da morte prematura de seu pai. Foi lá, em Beagá, que ele tomou gosto por ouvir, ler e depois contar estórias. Do avô materno ouvia muitos causos, todos com uma boa dose de exagero, mas gostava. Seu Zé Riberio sabia como prender a atenção do ouvinte. Ler, veio da timidez numa cidade nova, grande, onde não conhecia ninguém da sua idade, daí a solução foi devorar os livros da biblioteca escolar. Contá-las veio bem depois, quando a bagagem de fábulas já era considerável em sua cabeça. Talvez ter escrito tanto durante a vida tenha viciado o autor em escrever. Por isso, o tema de seu primeiro livro entrelaça construção civil e investigação policial. Flávio é arquiteto e urbanista de formação, e policial federal de profissão. Atualmente, mora em Brasília, cidade com que primeiro se acostumou, com o tempo passou a aceitar, até que se apaixonou, como acontece com todos que lá aportam, reclamam, dizem querer ir embora e acabam ficando a vida toda. 

[biografia fornecida pelo autor]

Mistério na Esplanada

Flávio Ferraz

Mistério na Esplanada

Flávio Ferraz

O Dia em que Ela Disse Basta

Flávio Ferraz

O Dia em que Ela Disse Basta

Flávio Ferraz

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Eduardo Tognon

Eduardo Tognon

Eduardo Tognon é professor da área de tecnologia, diagramador, um pouco escritor e muito leitor. Adora tecnologia e literatura, e faz com que as duas coisas andem juntas.

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